Ei-los que surgem
rotos e sujos,
pelos pardieiros,
pelos vãos de escadas,
nos ventres de carros abandonados,
sucata ao desbarato,
palácios de cartão,
como reis efémeros
em manhãs de ilusão;
Heróis vagabundos,
esfíngicas silhuetas
que vivem nas valetas
sob o olhar profundo
das estrelas que enfeitiçam o mundo
e os sonhos em liquidação;
Nas mãos, o fogo da fantasia
traça roteiros de luz
que anunciam feitiços
deste mundo
e do outro
que promete manhãs encantadas, gratuitas,
com fome de beijos sagrados
no segredo de lábios mudos
de cânticos inacabados;
São aos milhares
abandonados pela lotaria da vida
filhos de sistemas empedernidos
e filosofias em saldo,
exigindo
mandamentos novos
aos governadores do mundo!
São milhares de milhões
numa procissão infinda
anjos da noite
implacáveis, caídos,
famintos de justiça
sedentos de vingança,
tentando coreografias novas...
enfim sentir
novos ritos de magia
para quem quer ver
para quem quer ouvir!...
Ei-los aos milhões,
tecendo em vão
a manta da vida...
de mãos aprisionadas
mas a sua alma não!
Ei-los que são multidão,
lívidos
altivos profetas
sem suspiros gratuitos
nem falsos alertas,
esperando o fim do tempo
sem outro alento
que a fé do peregrino
a alegria do saltimbanco;
mercadoria que são
sem data de validade
nem bilhete de identidade
para a viagem sem retorno
rumo à eternidade...
sem outra sina
outro fado
que ignorar os porquês da vida
o roteiro impreciso
desta farsa divina!...